quinta-feira, junho 22, 2006

Amor na Lota do Peixe - Capítulo IV

Godofredo Latinhas era o ferreiro de Vila Marmota. Foi com algum espanto que viu entrar um mar de gente para a sua pequena oficina.

- Que quereis de mim, mar de gente? Não devo nada a ninguém! Porque me perseguis? Que mal fiz eu?

Francisco Panças, que encabeçava a comitiva das gentes de Vila Marmota, explicou:

- Caro Godofredo! Nada temas! Vimos em paz! Ouve o que a filha minha, Olívia Manca, tem para te dizer!

Olívia Manca destacou-se da massa humana periclitante e tomou a palavra, pigarreando secamente:

- Senhor Godofredo Latinhas... o Zé Bigodes sofreu um holocausto nuclear! Está radioactivo! Por isso é que consegue vê-lo brilhar, ali... naquele canto escuro da sua oficina!

Zé Bigodes rebrilhava de facto no escuro. Tentou inventar uma piada onde entrasse a sua desgraçada condição actual e o relógio Indigo Night Light da TIMEX, mas não lhe saíu.

- Abrenúncio, Credo em Cruz! Com-a-breca, Zé Bigodes! Pareces uma assombração! - observou Godofredo Latinhas enquanto moldava um pedaço de ferro na bigorna.

- Mas não é! - corrigiu Olívia Manca - Precisamos que o senhor lhe faça um fato completo em chumbo! Vi um filme do super-homem e sei que os elementos radioactivos não conseguem ultrapassar uma barreira de chumbo!

- Isso é um desafio para mim, menina Olívia Manca! Mas aceitarei de bom grado!

Godofredo Latinhas aprontou-se logo a tirar as medidas ao pobre do - agora fosforescente - Zé Bigodes, com as devidas precauções para não sofrer contágio por radiação.

Quando todos menos esperavam, entra no recinto da acção, Joselino Narigangas, insígne presidente da Junta de Vila Marmota. Figura elegante, porte fino, bigode espetado, monóculo no olho esquerdo, fato negro, laçarote ao pescoço e umas sapatilhas brancas da Nike.

- Parai, povo em geral! Parai com este ajuntamento clandestino! Soube de boatos seguros que escondeis no vosso âmago uma criatura radioactiva! Ora, parafraseando o código civil em vigor: "É ilícito esconder das entidades competentes qualquer ser inanimado ou não, portador de radioactividade. Esta situação deve ser comunicada o mais rapidamente possível ao poder local (neste caso, a mim) para que este possa actuar em conformidade, reciclando o ser em causa". Ora não é o que está a acontecer! Mostrai o tratante, para que eu o leve para uma incineradora!

A voz de uma velhinha ressoou por entre as bocas cerradas pelo medo:

- Teríeis coragem de incinerar o vosso próprio filho?

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