quarta-feira, março 14, 2007

Cuca, O Saltimbanco Destemido - Capítulo II

Feitas que estão as apresentações, a estória pode começar.

Estava uma calma tarde de primavera. O sol punha-se pachorrentamente no horizonte, com uma cor que fazia lembrar a cara de alguém que estivesse bastante envergonhado. Cuca brincava com o Monstro, atirando-lhe pedacitos de pão, que o bicho apanhava velozmente, ainda no ar, dando-lhes dentadas. Lurdinhas, com o cabelo apanhado e um avental que apertava as suas formas roliças, dava de comer ao par de cavalos que puxavam a roulotte. À falta de melhor, Cuca tinha-os baptizado de Piolho e Lêndea. Perdoe-me o leitor que a apresentação destas últimas personagens de relevo pertencentes aos domínios do Cuca não tivesse sido feita no capítulo anterior.

- Luuurdes... tás a dar de comer ao Piolho e à Lêndea? - perguntou Cuca.

- Atão não vês que é o que estou a fazer? Se deixasses de brincar com o Monstro e fosses fazer algo de mais útil, fazias melhor! - respondeu Lurdinhas.

- E estou a fazer algo de útil! Estou a dar de comer ao bicho!

- Às prestações... deixa aí a carcaça toda que ele come na mesma! E tu ficas com tempo, por exemplo, para arrumares a bagunçada que está dentro da roulotte!

- O coitado pode-se entalar... é certo que tem uma boca de piranha... mas se lhe dou a carcaça toda ainda se entala com ela! Mais vale partí-la e dar-lha assim... Sempre vai treinando as mordidelas... se aparecer por aqui algum gatuno...

- Olha... o maior gatuno ainda és tu...

- Levas-me uma lamparina nessas beiças...

- Prontos... tinha de acabar em discussão!

E acabava quase sempre em discussão. Viviam possivelmente há demasiado tempo juntos. Três anos a olharem para o focinho um do outro, sem interrupções, levava-os a confrontos fáceis. Discutiam, amuavam, ia cada um para o seu canto e depois, devagarinho, começavam a falar um com o outro. Primeiro, com frases curtas. Depois, com discursos melosos. Mais tarde, com beijos e abraços que se prolongavam pela noite dentro.

Depois da discussão ter de facto acontecido, o diálogo continuou já na fase das frases curtas:

- Amanhã de manhã partimos daqui?

- Sim.

- P'ra onde?

- Em direcção ao Castelo... sabes bem!

- Queres ir ao Castelo?

- Quero.

- Fazer o quê?

- Mostrar-te uma coisa que não vais acreditar...

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